terça-feira, 18 de outubro de 2011

Preparo para Consulta


O Uso Oracular do I Ching – A Preparação





A ênfase no aspecto oracular do "I" variou com o tempo. No século VI a.C. era visto mais como livro de filosofia, ao passo que na dinastia Han, quando a magia teve grande papel, era visto como oráculo.
 


Como todo oráculo, exige a aproximação correta: a meditação prévia, o ritual, e a formulação precisa da pergunta. O oráculo nunca falha, quem falha é o consulente: se a pergunta não foi clara e precisa, isto indica que a pessoa não tem clareza sobre o que deseja saber. O ritual tem a função psicológica de focar a atenção da pessoa na consulta.
 


A consulta oracular é feita com 50 varetas (originalmente de mil-folhas, uma planta sagrada), das quais uma é separada e as outras 49 manuseadas, seguindo seis vezes a mesma operação matemática, para a obtenção da resposta. Dessa manipulação resulta uma linha firme ou uma linha maleável, que podem ser móveis. As linhas firmes são resultado da obtenção dos números 7 ou 9, e as maleaveis vêm dos números 6 ou 8. Destes, 6 e 9 correspondem a linhas móveis que, por estarem prestes a mudar, têm importância na interpretação.
 


O I Ching, por ser um livro sagrado, e as varetas usadas na consulta, eram guardados em uma caixa de madeira virgem, embrulhados em seda também virgem.



A Preparação

Antes de tudo, toda vez que nos deparamos com um oráculo, qualquer que seja, é necessário estarmos com o espírito leve e a consciência clara. Estados de agitação, nervosismo, sono, fome, angústia... não representam a melhor maneira de se jogar. Por isso, primeiro aquiete a mente e relaxe o corpo.

Pois, será por meio deste estado de calma e aceitação, que teremos mais clareza na hora de saber perguntar e mais humildade no momento de receber a resposta.
Além disso, procure estar num lugar em que não haja interrupções, nem barulhos repetitivos, reservando um período do seu dia para isso.

Eu uso: Incenso; toalha branca com uma borda linda para envolver o Livro das Mutações. Só isso.



Como Perguntar

No caso do I Ching, as perguntas sempre nascem de questionamentos profundos e complexos sobre nossa vida, nosso momento atual, nossos relacionamentos, etc. Isso significa que este oráculo não é próprio para questões cujas respostas são “sim” ou “não”.
Desse modo, procure o I Ching apenas quando sentir a necessidade de receber um aconselhamento, tendo uma maior percepção sobre sua situação atual e como ela pode se desdobrar.
Não se deve, aliás, repetir a pergunta e a jogada, pois o resultado nunca é claro e no fim, só se consegue mais confusão que esclarecimento. Por isso, é tão importante estar centrado no momento da consulta.



A Consulta aos Antepassados


Os mais antigos rituais de adivinhação na China eram destinados à consulta aos antepassados sobre as questões que mais preocupavam o soberano e que mais afetavam ao império.


“Pan-Keng desejava transferir a capital do império para Yin mas o povo não queria morar lá. Aí, ele reuniu todos os descendentes e fez o seguinte desabafo: ‘Nosso rei (Chu-I, seu predecessor) se instalou aqui e fixou Keng como capital. Ele agiu dessa forma preocupado com o bem estar de nosso povo, mas ele não teria se fixado aqui se soubesse que todos poderiam morrer por não ter como proteger suas vidas. Eu consultei a carapaça de tartaruga e obtive a seguinte resposta: ‘Esse não é um bom lugar para vocês’.
(Shu Ching, The Books of Shang, The Pen-Keng, Section 1).

 

Assim, os antepassados mortos e divinizados governavam o Império através da adivinhação. Seus descendentes vivos não eram mais do que seus representantes e mandatários e os espíritos dos antepassados deviam ser consultados e obedecidos em todas as questões importantes.






Os Cuidados com o Corpo e a Atitude Mental do Consulente


Nos antigos rituais augourístico-sacrificatórios considerava-se inútil esperar que os mortos descessem na forma de espíritos (shên) a menos que o médium (shih) tivesse praticado três dias de jejum e abstinência. Descobrimos que essas idéias não são totalmente alheias à cultura ocidental quando lembramos o ditado: Mens sana in corpore sano. Todavia, embora o jejum e a abstinência sejam altamente recomendáveis, é pouco provável que nos dias de hoje o consulente se disponha a fazer tal sacrifício.
Assim, é sugerido que pelo menos seja evitado o consumo de bebidas alcoólicas, fumo e estimulantes, recomendando-se a ingestão de infusões de chás naturais, tais como erva cidreira e camomila durante a consulta. Ademais é aconselhável que o consulente se encontre totalmente descansado na hora da consulta - que deverá ser feita preferentemente pela manhã, quando o poder luminoso está em ascensão - e é melhor evitar de consultar o Oráculo quando se está doente.


Em segundo lugar a atitude mental. No Ocidente dizemos: “Orandum est ut sit mens sana in corpore sano”. Assim, alguns minutos de meditação antes da consulta permitirão que a mente do consulente se acalme preparando-se para entrar em sintonia com o plano do I Ching. A atitude mental do consulente deverá ser de absoluta humildade e reverência ao Oráculo, uma vez que o
I Ching é o meio através do qual o Tao se comunica com os homens.






Sobre o Local da Consulta e os Cuidados com o Livro Sagrado


O local da consulta deve ser preferentemente calmo, silencioso, claro e arejado, com muitas plantas e árvores. É importante ascender incenso para purificar o ambiente antes de iniciar a consulta. Por ser um livro sagrado, o
I Ching deve permanecer sempre envolvido num pano ou lenço de seda vermelho e colocado num suporte de madeira em cima de um altar vivo, nunca acima da cabeça, entre duas velas vermelhas de sete dias que devem permanecer sempre acesas, junto a um incensário redondo de madeira e a um sino chinês com forma de meia taça. As varetas e/ou moedas devem ser acondicionadas numa caixa de madeira e também colocadas junto ao I Ching.






O Ritual antes de Iniciar a Consulta


Os Taoístas consideram que o simples registro do hexagrama sagrado numa folha de papel coloca o consulente em contato com o plano espiritual (Tao) ao qual corresponde o hexagrama e que quem manuseia as varetas de milefólio faz um chamado ao Poder (Teh) divinatório. Por isso, os mestres esclarecidos tomam certas precauções, como purificar o ambiente através da queima de incenso e realizar certas invocações como forma de se proteger do Poder, que o consulente na realidade não controla. A seguir transcrevemos uma invocação muito usada pelos mestres antes de começar a consulta ao I Ching.

“Que o divino Fu-Hsi, soberano do leste, se digne a conferir-nos a santidade; que o divino Chen-Nung, soberano do sul, se digne a conferir-nos a equidade; que o divino Huang Ti, soberano do centro, se digne a conferir-nos o espírito do ritual; que o divino Yao, soberano do oeste, se digne a conferir-nos a bondade; e que o divino Shun, soberano do norte, se digne a conferir-nos a sabedoria”.


Assim, após cobrir com um pano amarelo a mesa onde será realizada a consulta, o consulente ascende um incenso e retira as varetas ou moedas da caixa de madeira, passando-as três vezes por cima do incenso num movimento circular no sentido horário iniciando a invocação de sacralização das varetas ou moedas na frente do altar ou sentado para o sul onde será realizada a consulta.


“Que o divino Fu-Hsi, soberano do leste, se digne a infundír nestas varetas (ou moedas) a obediência às perguntas que serão por mim realizadas; que o divino Chen-Nung, soberano do sul, se digne a infundí-lhes o espírito da verdade; que o divino Huang-Ti, soberano do centro, se digne a infundí-lhes precisão nas respostas; que o divino Yao, soberano do oeste, se digne a infundí-lhes a tolerância perante certas perguntas; que o divino Shun, soberano do norte, se digne a infundi-lhes o comedimento no estabelecimento dos oráculos”.

Ao concluir o manuseio das varetas, o consulente deverá guardá-las imediatamente na caixa de madeira até a próxima consulta.






A Formulação da Pergunta


O
I Ching é um guia para tomar decisões em situações onde o fluxo de vida está conturbado. Ajuda o indivíduo a perceber as forças ocultas que estão agindo, como elas tendem a evoluir e como o consulente pode-se relacionar com elas. Esclarece a forma de ver as coisas e mostra novas alternativas.



A necessidade de consultar o Oráculo surge quando o consulente é envolvido por uma situação onde os métodos convencionais de resolver os problemas não funcionam. Resistência, relutância, ansiedade, forte desejo, a sensação de alguma coisa escondida ou confusa, a necessidade de mais informação, a sensação de uma oportunidade única, a necessidade de entrar em contato com algo maior do que o próprio indivíduo, todos esses são sintomas de que o indivíduo precisa olhar por trás ou através da situação. Quando consultado, o Oráculo mostra essa perspectiva mais profunda, mas a responsabilidade da decisão permanece com o próprio indivíduo.



Agora, o problema concentra-se na formulação da pergunta. A pergunta é importante porque representa a ponte de ligação entre as imagens divinatórias e a situação pessoal do consulente. Esclarece um momento no tempo e o arranca do fluxo da vida de forma que atua de elo com as energias fundamentais.






• A formulação da pergunta envolve duas etapas.


Primeiro, deve-se fazer uma clara formulação da pergunta, baseada numa linha de ação definida. Deve-se procurar ser claro. O consulente deve definir o que deseja perguntar com a máxima honestidade e sinceridade. E, se for possível, definir a pergunta, de forma conclusiva: “Qual é o Tao da minha relação com meu namorado?”; “Qual é o Tao da sociedade com meu irmão?”; “Qual é o Tao do meu casamento?”; “Qual é o Tao do meu emprego?;” “Qual é o Tao de minha atividade profissional?”: “Qual é o Tao do meu acidente?” etc. O Oráculo conectará o consulente com o plano espiritual - as imagens arquetípicas - através da pergunta e revelará quais as forças dinâmicas que estão agindo por trás da situação, as sementes dos eventos futuros. Este processo permite que o consulente atravesse a barreira que costuma separá-lo do plano espiritual. A resposta não será um simples sim ou não, mas uma avaliação específica do futuro dos cursos de ação propostos. Na realidade o que o consulente está pedindo é um maior esclarecimento sobre o qual ele possa basear as suas decisões e ações.





• A pergunta é o ponto de contato com o plano espiritual e permite que o consulente receba e desvende a mensagem adivinatória.




Segundo, deve-se descobrir a origem do problema - isto é, a causa espiritual. Deve-se procurar descobrir os sentimentos e os complexos envolvidos, as imagens e experiências que jazem por trás da situação aparente, as sensações, as lembranças, os medos, o que representa, as relações envolvidas, o que está em jogo, o porque de tanta ansiedade ou incerteza. Esses elementos determinam o campo subjetivo da situação. É parte de um processo de expansão e contração que leva da relação inconsciente com uma força perturbadora à orientação específica de como lidar com a situação. Por último, é importante observar que o
I Ching freqüentemente esclarece o que nós devemos saber e não o que nós queremos saber em relação à situação. Por isso, às vezes o consulente não entende a resposta ou acha que a resposta não tem nada a ver com a pergunta.





UMA PALAVRA FINAL







Sem sombra de dúvida o I Ching nos apresenta um caminho totalmente alheio à forma do pensamento racional ocidental. Quando o homem racional indaga o futuro, ele o faz de forma absolutamente consciente e deliberada; isto é, sem invocar o Poder Espiritual que é na realidade quem determina o curso dos acontecimentos no mundo manifestado. A cartomancia, a astrologia moderna, a quiromancia, a geomância, o tarô etc., assim o demonstram. Nenhum ritual iniciático confere ao consulente, nem aos instrumentos de consulta, nem ao local de consulta, os meios de ter acesso ao plano espiritual, ao plano do sagrado. Utilizar varetas de caule de milefólio, cortar com a mão esquerda o baralho do tarô, realizar a síntese de um mapa astral calculado e impresso no computador ou fazer a leitura dos traços da mão com a ajuda de um algodão embebido em tinta não tem nada de sagrado. A China Antiga - como muitos outros povos do Oriente - foi muito além da racionalidade aparente, seja nas consultas aos antepassados, seja no culto às deidades religiosas. Assim, aquele que se apresentava para consultar o oráculo, o fazia deixando de lado a arrogância e o orgulho do ego, ciente de sua insignificância e de suas limitações diante do Poder Espiritual. Desta forma, a cerimônia ritualística não somente fazia parte do processo, como que era a parte mais importante, já que dela dependia o sucesso ou o fracasso da consulta. Não pelo ritual em si, mas pela atitude de humildade e reverência que fazia com que o consulente mantivesse seu ego afastado e longe do centro dos acontecimentos, conseguindo assim abrir o canal de comunicação com o plano espiritual, entrando em harmonia com o Tao.



E é precisamente esse afastamento do ego na hora da consulta e a certeza de que as ações estão sendo conduzidas pelo Tao, que tem conferido ao I Ching o justo título de oráculo dos oráculos e uma aura de infalibilidade, nos últimos três mil anos.

Postado por Wu-ming






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