O
Mestre disse: "A escrita não pode expressar as palavras totalmente.
As
palavras não podem expressar os pensamentos totalmente".
Estamos,
então, impossibilitados de ver os pensamentos dos santos e sábios?
O
Mestre disse: "Os santos e sábios estabeleceram as imagens para dar
expressão
completa a seus pensamentos; eles estabeleceram os
hexagramas
para dar expressão completa ao verdadeiro e ao
falso.
Então eles acrescentaram julgamentos e assim puderam dar
expressão
completa às suas palavras". (Eles criaram a descontinuidade
e
a continuidade para manifestar de forma completa o benefício. Eles
deram
o impulso, puseram em movimento, para manifestar de
forma
completa o espírito.)
Os
64 Hexagramas
Segunda
Parte
Capítulo
III
Sobre a estrutura dos hexagramas
1 — Assim, o Livro das Mutações consiste de imagens. As imagens
são reproduções.
Os hexagramas são reproduções de condições no céu e na terra.
Por isso devem ser aplicados de modo produtivo; eles possuem como que uma força
criadora no âmbito das idéias, como foi exposto acima.
2 — As decisões fornecem o material.
O Comentário sobre a Decisão ao qual provavelmente se está
referindo aqui apresenta o material a partir do qual cada hexagrama, como um
todo, é construído.
Assim, ele descreve a totalidade da situação como tal, antes que
ela se modifique.
Naturalmente isto também é válido para o próprio Julgamento.
3 — As linhas são reproduções dos movimentos sobre a terra.
As linhas equivalem aqui aos Julgamentos a elas anexados; esses
julgamentos entram em vigor quando as linhas se movem, isto é, quando são nove
ou seis. Elas refletem mudanças no interior de cada específica situação.
4 — Assim se originam a boa fortuna e o infortúnio, e surgem o
arrependimento e a humilhação.
Este movimento revela a direção que os acontecimentos estão
tomando e são acrescentadas advertências ou confirmações.
OS 64
HEXAGRAMAS
|
||
Hexagramas
|
Chinês
|
Português
|
Hexagrama
no 1
|
01. Ch’ien
|
O Criativo
|
Hexagrama
no 2
|
02. Kun
|
O Receptivo
|
Hexagrama
no 3
|
03. Chun
|
Dificuldade Inicial
|
Hexagrama
no 4
|
04.
Mêng
|
Insensatez Juvenil
|
Hexagrama
no 5
|
05. Hsu
|
Espera (Nutrição)
|
Hexagrama
no 6
|
06. Sung
|
Conflito
|
Hexagrama
no 7
|
07. Shih
|
O Exército
|
Hexagrama
no 8
|
08. Pi
|
Manter-se Unido (Solidariedade)
|
Hexagrama
no 9
|
09.Hsiao Ch’u
|
O Poder de domar do pequeno
|
Hexagrama
no 10
|
10. Lu
|
Conduta (Trilhar)
|
Hexagrama
no 11
|
11. T’ai
|
Paz
|
Hexagrama
no 12
|
12. P’i
|
Estagnação
|
Hexagrama
no 13
|
13. T’ung Jên
|
Comunidade com os homens
|
Hexagrama
no 14
|
14. Ta Yu
|
Grandes Posses
|
Hexagrama
no 15
|
15. Ch’ien
|
Modéstia
|
Hexagrama
no 16
|
16. Yü
|
Entusiasmo
|
Hexagrama
no 17
|
17. Sui
|
Seguir
|
Hexagrama
no 18
|
18. Ku
|
Trabalho sobre o que se deteriorou
|
Hexagrama
no 19
|
19.Lin
|
Aproximação
|
Hexagrama
no 20
|
20. Kuan
|
Contemplação (A vista)
|
Hexagrama
no 21
|
21. Shih Ho
|
Morder
|
Hexagrama
no 22
|
22. Pi
|
Graciosidade (Beleza)
|
Hexagrama
no 23
|
23. Po
|
Desintegração
|
Hexagrama
no 24
|
24. Fu
|
Retorno (O ponto de transição)
|
Hexagrama
no 25
|
25. Wu Wang
|
Inocência
(O inesperado)
|
Hexagrama
no 26
|
26. Ta Ch’u
|
O Poder de domar do grande
|
Hexagrama
no 27
|
27. I
|
As Bordas da Boca (Prover Alimento)
|
Hexagrama
no 28
|
28. Ta Kuo
|
Preponderância do Grande
|
Hexagrama
no 29
|
29. K’an
|
O Abismal (Água)
|
Hexagrama
no 30
|
30. Li
|
Aderir (Fogo)
|
Hexagrama
no 31
|
31. Hsien
|
Influência (Cortejar)
|
Hexagrama
no 32
|
32. Hêng
|
Duração
|
Hexagrama
no 33
|
33. Tun
|
A Retirada
|
Hexagrama
no 34
|
34. Ta Chuang
|
O Poder do Grande
|
Hexagrama
no 35
|
35. Chin
|
Progresso
|
Hexagrama
no 36
|
36. Ming I
|
Obscurecimento da Luz
|
Hexagrama
no 37
|
37. Chia Jên
|
A Família
|
Hexagrama
no 38
|
38. K’uei
|
Oposição
|
Hexagrama
no 39
|
39. Chien
|
Obstrução
|
Hexagrama
no 40
|
40. Hsieh
|
Liberação
|
Hexagrama
no 41
|
41. Sun
|
Diminuição
|
Hexagrama
no 42
|
42. I
|
Aumento (Acréscimo)
|
Hexagrama
no 43
|
43. Kuai
|
Irromper (A Determinação)
|
Hexagrama
no 44
|
44. Kou
|
Vir ao Encontro
|
Hexagrama
no 45
|
45. Ts’ui
|
Reunião
|
Hexagrama
no 46
|
46. Sheng
|
Ascensão
|
Hexagrama
no 47
|
47. K’un
|
Opressão (A Exaustão)
|
Hexagrama
no 48
|
48. Ching
|
O Poço
|
Hexagrama
no 49
|
49. Ko
|
Revolução
|
Hexagrama
no 50
|
50. Ting
|
O Caldeirão
|
Hexagrama
no 51
|
51. Chen
|
O Incitar (Comoção, Trovão)
|
Hexagrama
no 52
|
52. Ken
|
A Quietude (Montanha)
|
Hexagrama
no 53
|
53. Chien
|
Desenvolvimento (Progresso Gradual)
|
Hexagrama
no 54
|
54. Kuei Mei
|
A Jovem que se Casa
|
Hexagrama
no 55
|
55. Fêng
|
Abundância (Plenitude)
|
Hexagrama
no 56
|
56. Lu
|
O Viajante
|
Hexagrama
no 57
|
57. Sun
|
A Suavidade
(O Penetrante, Vento)
|
Hexagrama
no 58
|
58. Tui
|
Alegria (Lago)
|
Hexagrama
no 59
|
59. Huan
|
Dispersão (Dissolução)
|
Hexagrama
no 60
|
60. Chieh
|
Limitação
|
Hexagrama
no 61
|
61. Chung Fu
|
Verdade Interior
|
Hexagrama
no 62
|
62. Hsiao Kuo
|
A Preponderância do Pequeno
|
Hexagrama
no 63
|
63. Chi Chi
|
Após a Conclusão
|
Hexagrama
no 64
|
64. Wei Chi
|
Antes da Conclusão
|
Segunda Parte
Capítulo VII
A relação de certos hexagramas com a formação
do caráter
1 — A difusão das
Mutações se deu no período da antigüidade média. Aqueles que compuseram as
Mutações tiveram muitas preocupações e sofrimentos.
Esta passagem
refere-se ao rei Wên e seu filho, o Duque de Chou, pois ambos viveram períodos
difíceis. O autor destas linhas sente-se ligado a eles nisso.
Também ele nada
mais pôde fazer do que preservar para a posteridade o esquema de organização de
uma cultura agonizante.
2 - Assim o
hexagrama A CONDUTA mostra o fundamento do caráter; o hexagrama MODÉSTIA mostra
a utilização do caráter; o hexagrama RETORNO, o cerne do caráter. O hexagrama
DURAÇÃO promove a firmeza do caráter; o hexagrama DIMINUIÇÃO, o cultivo do
caráter; o hexagrama AUMENTO, a plenitude do caráter; o hexagrama OPRESSÃO, o
teste do caráter; o hexagrama O POÇO, o solo do caráter; o hexagrama SUAVIDADE,
o exercício do caráter.
3 - O hexagrama A
CONDUTA é harmonioso e atinge seu objetivo. MODÉSTIA concede a honra e brilha.
RETORNO é pequeno e, entretanto, distinto das coisas externas. DURAÇÃO mostra
experiências diversas sem saciedade. DIMINUIÇÃO mostra primeiro o difícil e depois
o fácil. AUMENTO mostra o crescimento da plenitude sem artifícios. OPRESSÃO
conduz à perplexidade e, através dela, ao sucesso. O POÇO permanece em seu
lugar e mesmo assim tem influência sobre as outras coisas. A SUAVIDADE permite
avaliar as coisas, e permanecer oculto.
4 — A CONDUTA
promove a conduta harmoniosa. MODÉSTIA serve para regular os costumes. RETORNO
conduz ao autoconhecimento. DURAÇÃO promove a unidade de caráter. DIMINUIÇÃO
mantém distante o que é nocivo. AUMENTO favorece aquilo que é útil. Através da
OPRESSÃO se aprende a arrefecer seus rancores. O POÇO promove o discernimento
quanto ao que é correto. Através da SUAVIDADE se pode levar em consideração
circunstâncias excepcionais.
Nove
hexagramas são utilizados aqui para representar o desenvolvimento do caráter.
Primeiro se apresentam as relações dos hexagramas com o caráter, depois a
matéria desses hexagramas e, por fim, seus efeitos. O movimento se realiza do
interior para o exterior. Aquilo que se elabora no mais íntimo do coração torna-se
visível no plano externo através de seus efeitos. Os nove hexagramas são:
1.
Lü, A CONDUTA (10). Este hexagrama trata das regras da boa conduta; a sua
prática é um pré-requisito para a formação do caráter. Essa boa conduta é
harmoniosa — de acordo com o trigrama Tui, Alegria, que se encontra no interior
— e assim atinge seu objetivo, mesmo quando em circunstâncias difíceis
("pisando sobre a cauda do tigre"). Assim ele promove essas formas
harmoniosas que são o pré-requisito do comportamento externo.
2.
Ch'ien, MODÉSTIA (15)..Este hexagrama mostra a atitude necessária para que se
possa empreender a formação do caráter. A MODÉSTIA (a montanha sob a terra)
honra aos outros, e com isso é ela própria honrada. Ela regula de tal modo o
relacionamento humano que a amizade vem a despertar a amizade., Ela acrescenta
às formas externas o conteúdo do posicionamento correto.
3.
Fu, RETORNO (24). Este hexagrama se caracteriza pelo fato de uma linha luminosa
retornar, abaixo, e mover-se ascendendo. Significa a raiz e o cerne do caráter.
O bem que surge abaixo é, a princípio, ainda um tanto insignificante, porém já
forte o suficiente para, em seu caráter próprio, prevalecer, de maneira
constante, sobre todas as tentações que estejam ao seu redor. No sentido de retorno,
o hexagrama também sugere reformas duradouras em seguida aos erros cometidos,
como também o auto-exame e o autoconhecimento que são para isso necessários.
4. Hêng, DURAÇÃO
(32). Este hexagrama desperta a firmeza de caráter ao longo do tempo. Mostra o vento
e o trovão constantemente unidos; portanto, há múltiplos movimentos e
experiências dos quais derivam regras firmes e como resultado se chega a uma
unificação do caráter.
5. Sun, DIMINUIÇÃO
(41). Este hexagrama mostra uma diminuição na influência das faculdades
inferiores, os instintos não dominados, em favor de uma vida superior,
espiritual. Aqui se tem o verdadeiro cultivo do caráter. O hexagrama mostra
primeiro o período difícil — o do domínio dos instintos — e, em seguida, a fase
fácil, quando o caráter foi controlado; com isso os malefícios são afastados.
6. I, AUMENTO (42).
Este hexagrama dá ao caráter a plenitude necessária. A simples ascese não é
suficiente para formar um bom caráter; a grandeza também é necessária. O
AUMENTO mostra um crescimento orgânico da personalidade, e que, não sendo
artificial, favorece o que é útil.
7. K'un, OPRESSÃO
(47). Este hexagrama conduz o caráter agora cultivado ao campo onde será posto
à prova. Surgem dificuldades e obstáculos que precisam ser ultrapassados, mas
que muitas vezes mostram-se insuperáveis. Aqui o homem se vê diante de
limitações que não pode descartar e que só serão superadas quando forem
aceitas. Reconhecendo o que deve ser aceito como destino, o homem deixa de
odiar a adversidade. Pois de que lhe serviria arremeter contra o destino?
Através desse arrefecimento do rancor o caráter é purificado, e eleva-se a um
nível superior.
8. Ching, O POÇO
(48). Este hexagrama representa a fonte que alimenta um poço; apesar de fixa
num lugar, propicia bênçãos a uma ampla área ao seu redor e sua influência tem
um longo alcance. Isso mostra o campo sobre o qual o caráter pode exercer sua
ação. O hexagrama indica a influência profunda que emana de uma personalidade
rica e generosa; essa influência não é diminuída pelo fato de aquele
que a exerce
manter-se num recolhimento. O hexagrama mostra o que é correto e assim
possibilita sua realização.
9. Sun, A
SUAVIDADE, O PENETRANTE (57). Este hexagrama concede a adequada flexibilidade
ao caráter. O que se requer não é a rigidez que se aferra a princípios
estabelecidos e que na verdade não é senão um mero pedantismo. É a mobilidade,
isto sim, que é necessária. Com ela se poderá avaliar as coisas e perceber as
necessidades do momento. Com isso, o homem aprende a levar em consideração as
circunstâncias e a preservar tanto uma forte unidade de caráter quanto uma
inteligente, versatilidade.
CAPITULO
II
Sobre
a composição e uso do Livro das Mutações
1
- Os santos sábios formaram os hexagramas para que se pudessem
perceber
neles os fenômenos. Eles acrescentaram os julgamentos para
indicar
a boa fortuna e o infortúnio.
Os hexagramas do Livro das Mutações são reproduções dos
fenômenos que se manifestam na terra. Em suas inter-relações eles evidenciam as
inter-relações de todos os eventos no universo. Os hexagramas eram então
representações de idéias.
Porém, essas imagens ou fenômenos revelavam apenas o factual.
Faltava ainda extrair deles um conselho, de modo a se poder determinar se uma
específica linha de conduta inferida da imagem era favorável ou prejudicial, se
deveria ser adotada ou evitada. Até esse ponto o fundamento do livro das
Mutações existia já na época do Rei Wên. Os hexagramas eram, por assim dizer,
imagens oraculares, que mostravam o que se poderia esperar que ocorresse em
determinadas circunstâncias. O Rei Wên e seu filho acrescentaram, então, as
interpretações. A partir delas se poderia verificar se o curso de ação indicado
pelas imagens acarretaria boa fortuna ou infortúnio. Isso marca o inicio da
liberdade de escolha. A partir de então essa representação dos acontecimentos
indicava não apenas o que se poderia esperar que ocorresse, mas também a que
tudo isso conduziria. Tendo diante de si todo o complexo dos acontecimentos sob
a forma de imagem, se poderia seguir os rumos que pressagiam boa fortuna e
evitar os que conduzem ao infortúnio, antes que o decorrer dos acontecimentos
se iniciasse.
2
— A medida que as linhas firmes e maleáveis deslocam uma à outra, surgem a
mutação e a transformação.
Esse texto explicita com maior detalhe até que ponto os eventos
do mundo estão representados no Livro das Mutações. Os hexagramas se compõem de
linhas firmes e maleáveis. Em determinadas circunstâncias essas linhas mudam;
as firmes tornam-se flexíveis e as maleáveis se enrijecem. Assim se reproduz a
alternância dos fenômenos no universo.
3
- Assim sendo, a boa fortuna e o infortúnio são imagens de ganho ou perda;
arrependimento e humilhação são imagens da tristeza ou cautela.
Quando
uma linha está em harmonia com as leis universais, conduz à realização do que
se visava. Isso está indicado na expressão aposta: "boa fortuna".
Quando uma linha de conduta se opõe às leis do universo, conduz
necessariamente à perda. Isso se expressa no julgamento:
"infortúnio". Porém, há também rumos de ação que não conduzem direto
a um objetivo e que podem ser considerados como desvios de direção. Mas se
alguém, numa linha de conduta errada, se arrepende a tempo, poderá ainda evitar
o infortúnio e, recuando, alcançar a boa fortuna. Essa situação é indicada pelo
julgamento: "arrependimento". Esse julgamento contém, portanto, uma
exortação ao remorso e à mudança de atitude. Por outro lado, uma linha de
conduta pode ter sido correta ao início mas, se o homem se toma indiferente e
arrogante, sem que o perceba será arrastado da "boa fortuna" ao "infortúnio".
Isso se expressa no julgamento "humilhação". Esse julgamento contém,
portanto, uma advertência, uma exortação à precaução, a se deter quando no
caminho errado e voltar atrás em busca da boa fortuna.
4
- Mudança e transformação são imagens do progresso e retrocesso.
O
firme e o maleável são imagens do dia e da noite.
Os movimentos das seis linhas contêm os caminhos dos três
poderes primordiais.
Mudança é a conversão de uma linha maleável numa linha firme.
Isso significa progresso. Transformação é a conversão de uma linha firme numa
linha maleável.
Isso significa retrocesso. As linhas firmes representam o
luminoso, as linhas maleáveis representam o obscuro4. As seis linhas de cada hexagrama
são repartidas entre os três poderes primordiais: céu, terra e homem. As duas
posições inferiores pertencem à terra; as duas posições centrais, ao homem; e
as duas superiores, ao céu.
Esse parágrafo mostra até que ponto o Livro das Mutações reproduz
as condições do universo.
5
— Assim sendo, é à ordem das mutações que o homem superior se dedica e através
dela encontra a tranqüilidade. É no julgamento das linhas que o homem superior
encontra alegria e sobre o que, também, ele medita.
Deste ponto em diante mostra-se o uso correto do Livro das
Mutações. O I
Ching é uma reprodução de todas as condições possíveis no universo e
mostra, nos julgamentos, a linha de conduta correta. Portanto, para o homem, a
questão passa a ser como dar à sua vida uma forma que corresponda a essas
idéias, de modo a que a própria vida se torne uma reprodução da mutação. Não se
trata aqui de um idealismo no sentido de uma imposição artificial e exterior de
uma rígida imagem abstrata a uma vida que lhe fosse estranha e distinta. Ao
contrário, o Livro das Mutações, abrangendo o significado essencial das
diferentes situações da vida, dá ao homem condições de plasmar para si uma vida
significativa, realizando, em cada caso, segundo uma perfeita ordem e
seqüência, aquilo que a situação exige. Deste modo ele estará à altura de
qualquer situação, pois saberá aceitar o seu significado sem resistência,
alcançando, assim, a paz da alma. Desta maneira se põe ordem às ações; ao mesmo
tempo, a mente se satisfaz pois, ao meditar sobre os julgamentos das diferentes
linhas, se perceberá intuitivamente as inter-relações existentes no universo.
6
- Por isso o homem superior contempla essas imagens em épocas de repouso e
medita sobre os julgamentos. Quando ele empreende algo, considera as mutações e
medita sobre o oráculo. Por isso ele recebe as bênçãos do céu. "Boa
fortuna! Nada que não seja favorável."
Aqui as épocas de repouso e de ação são mencionadas. Durante os
períodos de repouso se obtêm experiências e sabedoria de vida, meditando sobre
as imagens e os julgamentos do Livro. Durante os períodos de ação se recorre ao
oráculo por meio das mudanças ocorridas nos hexagramas como resultado da
manipulação das varetas de caule de milefólio. Obtêm-se, assim, os conselhos
pelos quais a conduta deve se orientar.
4. É importante notar que os termos Yang e Yin, que
posteriormente serão tão difundidos no pensamento chinês, não são utilizados
aqui. Isso é uma possível indicação da antiguidade do texto.
Capítulo
XII
Síntese
A Estrutura dos Hexagramas
1. Considerações Gerais
O material
apresentado até agora fornece a maior parte dos elementos necessários para a
compreensão dos hexagramas. Aqui, porém, se expõe uma visão geral de suas
estruturas. Isso possibilitará ao leitor perceber por que os hexagramas encerram
precisamente o significado que lhes é atribuído, por que as linhas vêm acompanhadas
de textos muitas vezes aparentemente fantásticos que expressam por meio de uma
alegoria qual a posição que essa linha ocupa na situação global do hexagrama e,
portanto, até que ponto ela significa boa fortuna ou infortúnio.
Essa
infra-estrutura de exegese foi bastante desenvolvida pelos comentaristas chineses.
Sobretudo desde o período Han quando a magia secreta dos "cinco estados de
mutação" veio a se associar ao Livro das Mutações, essa obra foi cada vez
mais sendo envolvida por mistério e finalmente por mais e mais charlatanice.
Foi isso que deu ao livro sua reputação de profundidade e hermetismo. Julgando
que se pode poupar o leitor de todos esses acréscimos, reproduzimos apenas
aquilo que o próprio texto e os mais antigos comentários demonstram ser
relevantes.
E evidente que numa
obra como o Livro das Mutações sempre há um resíduo não-racional. Por que, num
caso particular, se enfatiza um determinado aspecto e não outro, que seria
igualmente possível, é uma questão tão inexplicável quanto o fato de bois terem
chifres em vez de dentes incisivos superiores como os cavalos. Só é possível
provar as inter-relações a partir dos limites estabelecidos por sua postulação;
prosseguindo com a analogia, isso seria o mesmo que explicar até que ponto
existe uma conexão orgânica entre o crescimento dos chifres e a ausência de dentes
incisivos superiores.
3. O Tempo
A situação
representada pelo hexagrama como um todo é chamada "o tempo".
Este termo expressa
diversos significados inteiramente diferentes, segundo o caráter dos diversos
hexagramas. Nos hexagramas em que a situação, como um todo, refere-se a
movimento, "o tempo" significa a diminuição ou o crescimento, o
esvaziamento ou a plenitude produzidos por esse movimento. Os hexagramas desta
espécie são, por exemplo, T'ai, PAZ (11), P'i, ESTAGNAÇÃO (12), Po,
DESINTEGRAÇÃO (23), Fu, RETORNO (24).
O tempo significa
também a ação, o processo que caracteriza um hexagrama, em Sung, CONFLITO (6),
Shih, EXÉRCITO (7), Shih Ho, MORDER (21), e I, AS BORDAS DA BOCA (27).
O tempo representa
a lei expressa através de um hexagrama, como em Lu, A CONDUTA (10), Ch'ien,
MODÉSTIA (15), Hsien, INFLUÊNCIA (31), e Hêng, DURAÇÃO (32).
Finalmente, o tempo
pode também significar a situação simbólica representada pelo hexagrama, como
em Ching, O POÇO (48), e Ting, CALDEIRÃO (50).
Em todos os casos,
o tempo de um hexagrama determina o sentido da situação como um todo, e com
base nisso as diversas linhas recebem seu significado. Dependendo do tempo, uma
única e mesma linha — por exemplo um seis na terceira posição — pode ser num
caso favorável e, noutro, desfavorável.
4. As Posições
As diferentes
posições ocupadas pelas linhas são classificadas como superiores e inferiores,
de acordo com a altura em que se encontram. Em geral a linha mais baixa e a
mais elevada não são levadas em consideração, enquanto que as quatro linhas
centrais são ativas no interior do tempo. Entre elas, a quinta é a posição mais
elevada do trigrama inferior, ocupa uma espécie de posição de transição; a
segunda é o funcionário no interior do país, que mantém, no entanto, uma
relação direta com o príncipe na quinta posição. Mas em certas circunstâncias, a
quarta posição pode representar a esposa, e a segunda, o filho do homem representado
na quinta posição. Em determinados casos, a segunda posição pode equivaler à
mulher que dirige no plano interno, enquanto que a quinta posição seria o
homem, cuja atividade se realizaria no plano externo. Em suma, ainda que as designações
variem, as funções são sempre análogas.2
Do ponto de vista
do tempo do hexagrama, a primeira posição e a sexta representam, em geral, o
começo e o fim. Em certos casos, a primeira posição pode também equivaler a
alguém que começa a agir no contexto do tempo sem ter entrado ainda no campo da
ação, enquanto que a sexta linha pode significar alguém que já se retirou dos
assuntos do tempo. Será, porém, o tempo expresso pelo hexagrama que determinará
quais dessas posições exercerão uma atividade representativa, como, por
exemplo, a primeira posição no hexagrama Chun, DIFICULDADE INICIAL (3), no Ta
Yu, GRANDES POSSES (14), ou, na última posição, no Kuan, CONTEMPLAÇÃO (20), no
Ta Ch'u, O PODER DE DOMAR DO GRANDE (26), e no I, AUMENTO (42). Em todos esses
casos as linhas em questão são diretrizes dos hexagramas. Por outro lado, pode
também ocorrer que a quinta posição não seja diretriz, como no caso em que,
segundo a situação indicada pelo hexagrama como um todo, nenhum príncipe
aparece.
2. As funções são
análogas em todos os hexagramas, pois derivam das posições. Por exemplo,
qualquer que seja o hexagrama, a terceira posição sempre estará ao alto do trigrama
inferior e em transição, pois nela se está realizando a passagem do trigrama
básico inferior para o superior. Estas funções são constantes. As designações
que são atribuídas às linhas variam, pois derivam da ocupante, que pode ser
Yang ou Yin, da interação dessa linha com as características da posição que
ocupa e, a partir daí, a interação do conjunto posição ocupante com os demais
conjuntos posições-ocupantes, bem como com os vários trigramas, básicos,
nucleares e seus respectivos significados. (Nota da tradução brasileira.)
5. O Caráter das Linhas
O caráter das
linhas é designado como firme ou maleável, como central e correto ou como
não-central e incorreto. As linhas inteiras são firmes (ou rígidas) e as
partidas são maleáveis (ou fracas). As linhas medianas dos dois trigramas
básicos, a segunda e a quinta, são centrais, independentemente de suas outras
qualidades.
Uma linha é correta
quando se encontra numa posição que lhe corresponde, isto é, uma linha firme
ocupando a primeira, terceira ou quinta posição, ou uma linha maleável ocupando
a segunda, quarta ou sexta posição. Tanto as linhas firmes como as maleáveis
podem ser favoráveis ou desfavoráveis, de acordo com as exigências do tempo do
hexagrama. Quando o tempo requer firmeza, as linhas firmes são favoráveis;
quando o tempo exige maleabilidade, as linhas maleáveis são favoráveis.
Isso é válido a um
tal ponto que a correção pode nem sempre ser vantajosa. Se o tempo requer a
maleabilidade, uma linha firme na terceira posição, apesar de ser em si mesma
correta, é nociva, pois demonstra demasiada firmeza, enquanto que o contrário,
uma linha maleável na terceira posição, pode ser favorável, por compensar a
rigidez da posição com a maleabilidade de sua natureza. Na maioria dos casos,
só a posição central é favorável, esteja ou não associada à correção. Em particular,
um governante maleável pode estar numa posição muito favorável, especialmente
quando apoiado por um funcionário forte e firme na segunda posição.
6. Relações das Linhas Entre Si
a) Correspondência
As linhas que
ocupam posições análogas no trigrama3 inferior e no trigrama superior
têm, às vezes, uma relação particularmente estreita, a relação de correspondência.
Essa correspondência se faz entre as seguintes posições (desde que a natureza
de seus ocupantes seja diversa): a primeira linha corresponde à quarta; a segunda,
à quinta; e a terceira, à sexta. Como regra geral, as linhas firmes correspondem
apenas às maleáveis, e vice-versa. Entre as que se correspondem, as mais
importantes são as duas linhas centrais na segunda e na quinta posição, que se encontram
na relação correta de governante e funcionário, pai e filho, marido e mulher,
etc. Um funcionário forte pode corresponder a um governante maleável, ou um
funcionário maleável, a um governante forte. A primeira possibilidade ocorre em
dezesseis hexagramas; em todos o resultado é favorável. É inteiramente favorável
nos hexagramas 4, 7, 11, 14, 18, 19, 32, 34, 38, 40, 41, 46 e 50, e menos favorável,
em virtude das condições do momento, nos hexagramas 26, 54 e 64. A relação de
correspondência entre um funcionário fraco e um governante forte está longe de
ser tão favorável. Sua ação é bastante desfavorável nos hexagramas 12, 13, 17,
20 e 31. Dificuldades surgem nos hexagramas 3, 33, 39 e 63, mas como esses problemas
se devem às condições do momento, as relações elas próprias ainda podem ser
consideradas corretas. Essas relações atuam favoravelmente nos hexagramas 8,
25, 37,42,45,49 e 53.
Ocasionalmente pode
haver uma correspondência entre a primeira e a quarta linhas. Ela é favorável
quando uma linha maleável, ocupando a quarta posição, está numa relação de
correspondência com uma linha inicial forte, porque isso significa que um
funcionário obediente procura ajudantes fortes e capazes em nome de seu governante.
(Cf. hexagramas 3, 22, 27 e 41.) Por outro lado, a correspondência entre uma
quarta linha forte e uma linha inicial maleável indica uma tentação à
intimidade com homens inferiores, o que deve ser evitado. (Cf. hexagramas 28,
40 e 50.) Uma relação entre a terceira e a sexta linhas raramente ocorre —
quando muito consiste numa tentação —, pois o sábio de espírito elevado que
renunciou ao mundo perderia sua pureza ao enredar-se com os assuntos mundanos,
e um funcionário na terceira posição perderia sua lealdade se passasse adiante
por cima de seu governante na quinta posição.
No caso de uma
linha diretriz de um hexagrama, ocorrem correspondências que independem dessas
considerações, e a boa fortuna ou o infortúnio nelas implicado é determinado
pelo significado do tempo do hexagrama como um todo.
3. No trigrama
básico inferior e superior, não nos nucleares. (Nota da tradução brasileira.)
b. Solidariedade
Entre duas linhas
vizinhas de natureza diferente pode ocorrer uma relação de solidariedade, que consiste
por parte da linha inferior em "receber", e por parte da linha superior
em "repousar sobre". Quanto à relação de solidariedade, a quarta e a
quinta linhas (o ministro e o governante) são de primordial importância. Ao
contrário da relação entre a segunda e a quinta linha, o mais favorável aqui é
que um ministro maleável se reúna a um governante forte, pois nessa proximidade
maior a reverência é muito importante. Nos dezesseis hexagramas nos quais
ocorre uma tal solidariedade, ela é sempre mais ou menos auspiciosa; é muito
benéfica nos hexagramas 8, 9, 20, 29, 37,42,48, 53, 57, 59, 60 e 61; é um tanto
menos benéfica, sem ser porém desfavorável, nos hexagramas 3, 5, 39 e 63. E ao
contrário, a solidariedade de uma linha forte, isto é, incorreta, na quarta
posição, com um governante fraco é em geral desfavorável, como nos hexagramas
30, 32, 35, 50 e 51, e um pouco menos desfavorável nos hexagramas 14, 38, 40,
54, 56 e 62. Entretanto, seu efeito é favorável em alguns hexagramas nos quais
a quarta linha forte é diretriz; isso ocorre nos hexagramas 16, 21, 34, 55
(aqui a linha é governante do trigrama superior) e 64.
Além disso, a
solidariedade ocorre também entre a quinta e a sexta linha.
Representa, então,
um governante que se subordina a um sábio; neste caso, trata-se, em geral, de
um governante modesto (a linha fraca na quinta posição) que reverencia ao sábio
forte (a linha forte acima), como nos hexagramas 14, 26, 27 e 50. Isto é naturalmente
muito favorável. Mas quando, ao contrário, uma linha forte ocupa a quinta
posição e uma linha fraca ocupa a sexta, isto indica uma associação com elementos
inferiores, sendo, portanto, indesejável, como nos hexagramas 28, 31,43 e 58. O
hexagrama 17, Sui, SEGUIR, é uma exceção a essa regra, pois o significado global
do hexagrama pressupõe que o forte se situe sob o fraco.
As demais linhas, a
primeira e a segunda, a segunda e a terceira, a terceira e a quarta, não se
encontram numa correta relação de solidariedade. Quando essa relação ocorre,
sempre significa um risco de partidarismo e deve ser evitada. Para uma linha fraca
repousar sobre uma linha forte pode ser, às vezes, até mesmo um motivo de problemas.
Quando se trata de
linhas que são diretrizes em seus hexagramas, a correspondência e a
solidariedade são levadas em consideração, sejam quais forem as suas posições.
Além dos exemplos citados acima, outros podem ainda ser mencionados. Em Yu,
ENTUSIASMO (16), a quarta linha é diretriz governante; ela mantém uma relação
de correspondência com a primeira linha e de solidariedade com a terceira. Em
Po, DESINTEGRAÇÃO (23), a linha superior é diretriz; a terceira lhe corresponde
e a quinta lhe é solidária. As duas situações são benéficas. No hexagrama Fu, RETORNO
(24), a linha inicial é diretriz; a segunda lhe é solidária, a quarta lhe é correspondente.
Ambos os relacionamentos são favoráveis. Em Kuai, IRROMPER (43), a linha
superior é diretriz, a terceira lhe corresponde e a quinta lhe é solidária.
No hexagrama Kou,
VIR AO ENCONTRO (44), a linha inicial é diretriz, a segunda lhe é solidária e a
quarta lhe corresponde. Aqui a boa fortuna ou o infortúnio se determinam de
acordo com a tendência indicada pelo significado do hexagrama.
7. As Linhas Diretrizes dos Hexagramas
Distinguem-se duas
espécies de diretrizes: constituintes e governantes. A diretriz constituinte é
a linha que confere ao hexagrama seu significado característico, não sendo
levado em consideração, neste caso, se a linha indica ou não nobreza ou bondade
de caráter. A linha fraca ao alto no hexagrama Kuai,
IRROMPER (43), é um
exemplo, pois o hexagrama é constituído a partir da idéia de se descartar de
maneira decidida essa linha.
A linha governante
sempre possui um caráter bom e se torna diretriz em virtude de sua posição e do
sentido do tempo.4 Em geral ocupa a quinta posição, mas ocasionalmente linhas
em outras posições podem ser também diretrizes governantes.
Quando a diretriz
constituinte é ao mesmo tempo governante, a linha é sem dúvida benéfica e ocupa
uma posição apropriada ao tempo do hexagrama. Quando a diretriz constituinte
não acumula a função de governante, isso indica sem margem de dúvida que seu
caráter, assim como sua posição, não estão em acordo com as exigências do
tempo.
A linha diretriz de
um hexagrama pode sempre ser determinada a partir do Comentário sobre a
Decisão. Quando a diretriz constituinte é também governante, o hexagrama possui
um só regente; em caso contrário possui dois. Muitas vezes há duas linhas
constituindo o significado do hexagrama, como por exemplo em Tun, A RETIRADA
(33). As duas linhas fracas que avançam são ambas diretrizes, pois estão
forçando o recuo das quatro linhas fortes. Se o hexagrama surge da interação das
imagens dos dois trigramas básicos, são, então, governantes as duas linhas que caracterizam
respectivamente um e outro.
A diretriz
constituinte se encontra assinalada em cada hexagrama por um quadrado () e a diretriz
governante, por um círculo (○).
Quando ambas as funções coincidem, manteve-se apenas o círculo. No Livro
Terceiro há uma interpretação detalhada da linha diretriz em cada hexagrama.
Tabela do I Ching elaborada para este
blog
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