terça-feira, 18 de outubro de 2011

As Dez Asas


O I Ching é uma obra cuja maturidade é fruto de um crescimento orgânico realizado durante milênios. É, por isso, um livro que para ser assimilado exige uma longa reflexão e meditação. À medida que se realizem, essas aparentes repetições vêm abrir novas perspectivas. O material apresentado nesta segunda parte consiste principalmente do que se conhece como “As Dez Asas” (Acredita-se que tenham sido escritas por Confúncio, até pela concepção das idéias totalmente compatíveis com as dele). Essas Dez Asas ou exposições contêm, de fato, o que há de mais antigo em termos de literatura de exegese do Livro das Mutações.



 
AS DEZ ASAS

  • O “T’uan Chuan”, o primeiro desses Comentários, compõe-se de duas partes correspondentes as parte I e II do texto do Livro das Mutações.
  • O “Hsiang Chuan” (Comentário sobre as Imagens) compõe-se da parte III e IV.
  • O “Hsi Tz’u ou Ta Chuan” (Comentário sobre os Julgamentos) divide-se também em duas partes, parte V e VI.
  • O “Wên Yen” (Comentários sobre as Palavras do Texto) – compõe a parte VII.
  • O “Shuo Kua” (Discussão dos Trigramas), compõe a parte VIII.
  • O “Hsu Kua” (Sequência ou Ordem dos Hexagramas) compõe a parte IX.
  • O “Tsa Kua” (Coletânea de Indicações) compõe a parte X.

O texto apresentado na primeira parte (Livro Primeiro) constitui o núcleo essencial do Livro das Mutações. Lá a principal preocupação era trazer à luz o que se pode chamar o aspecto espiritual do livro, a sabedoria, muitas vezes oculta sob formas estranhas. Nosso comentário resume o que os filósofos mais notáveis da China pensaram e disseram no decorrer dos séculos, em relação aos hexagramas e às linhas. Entretanto, o leitor deve ter sido freqüentemente assediado pela pergunta: Por que tudo isso é assim? Por que essas imagens, muitas vezes tão inesperadas, estão ligadas aos hexagramas e às linhas? De que profundezas da mente elas emergem? Trata-se de imagens puramente arbitrárias ou obedecem a determinadas leis? E mais ainda, por que tal imagem aparece vinculada em específico a determinada idéia e não a outra? Não seria um simples capricho a procura de profundos pensamentos filosóficos onde aparentemente nada existe além de um jogo de grotescas fantasias da imaginação?


A segunda parte do livro (Livros Segundo e Terceiro) procura responder, na medida do possível, a essas perguntas. Visa a explicitar o material do qual surge esse universo de idéias, apresentar o corpo ao qual esse espírito está ligado. Então se poderá perceber como, de fato, existe um vínculo secreto e que mesmo imagens aparentemente arbitrárias baseiam-se de algum modo na estrutura dos hexagramas.

Basta, para isso, que se aprofunde o suficiente a sua compreensão. Os comentários mais antigos que, em geral, associam interpretações técnicas sobre as estruturas dos hexagramas com análises filosóficas, remontam ao próprio Confúcio, ou pelo menos a seu círculo de discípulos. O seu conteúdo filosófico já foi utilizado no Livro Primeiro. Aqui, esses comentários são retomados junto com o texto, sem o qual seriam incompreensíveis, explorando-se agora seu aspecto técnico. Isso é absolutamente indispensável para a plena compreensão do Livro e nenhum comentário chinês prescinde desse aspecto técnico. Pareceu-me, entretanto, indicado separá-lo do aspecto filosófico, para não confundir demais o leitor ocidental com questões pouco habituais. Não lamento as repetições inevitáveis que esse método impôs.





O primeiro desses Comentários (Primeira e Segunda Asas) é intitulado T'uan Chuan. T'uan significa literalmente a cabeça do porco oferecida nos rituais de sacrifício. Devido à similitude fonética, o termo adquiriu também o sentido de "decisão". Os julgamentos em cada um dos hexagramas eram chamados T'uan, "decisão", ou Tz'u, "julgamento", ou ainda, Hsi Tz'u, "julgamento anexo". Esses "julgamentos" ou "decisões" são atribuídos ao Rei Wên de Chou (aproximadamente 1150 a.C), cuja condição de autor desses textos em geral não é posta em dúvida1. O T'uan Chuan, ou "Comentário sobre a Decisão", fornece explicações precisas sobre esses "julgamentos", tomando como base a estrutura e outros elementos dos hexagramas.


Esses comentários são atribuídos pelos chineses a Confúcio. É um trabalho minucioso de grande valor e que muito elucida a organização interna dos hexagramas do I Ching. Não vejo por que duvidar que seja ele o autor, uma vez que é fato notório a familiaridade de Confúcio com o Livro das Mutações, e que as concepções expressas nesses comentários em nada divergem de sua idéias. O T'uan Chuan compõe-se de duas partes (correspondentes às partes I e II do texto do Livro das Mutações), que formam as duas primeiras Asas ou exposições. Na presente tradução esses comentários foram separados e colocados junto ao hexagrama ao qual se referem2.


1.  Isso não é exato. Já desde há muito que alguns autores têm questionado essa afirmação da tradição. Ito Zenshô, o grande especialista japonês de I Ching do século XVIII, julgava que essa autoria tivesse sido criada pelos confucionistas do período Han. P'i Hsi-Jui (1850-1908) também levantou dúvidas sobre Wên e Chou como autores dos textos do Julgamento e das linhas, e, por fim, I. K. Shchutskii nega qualquer validade a essa hipótese. (Nota da tradução brasileira.)


2.  James Legge sustenta que uma verdadeira compreensão do I Ching só se torna possível quando se separam os comentários do texto (The Sacred Books of the East, XVI: The Yi King. 2? ed. Oxford, 1899). Por isso ele separa cuidadosamente os antigos comentários do texto, mas os faz acompanhar dos comentários do período Sung (960-1279 a.C). Legge não diz qual a razão pela qual considera o período Sung mais ligado ao texto original que Confúcio (551-479 a.C). Ele apenas segue com meticulosa literalidade a edição intitulada Chou I Che Chung do período de K'ang Hsi (1662-1722), também usada por mim. A versão é muito inferior às outras traduções de Legge. Por exemplo, ele não se dá ao trabalho de traduzir os nomes dos hexagramas — uma tarefa sem dúvida nada fácil, mas ao mesmo tempo, e por isso mesmo, muito importante. Além disso ocorrem outros indiscutíveis erros de julgamento.



A Terceira e Quarta Asas são formadas pelo chamado Hsiang Chuan, "Comentário sobre as Imagens". Esse comentário é também dividido em duas partes, assim como o texto. Em sua forma atual consiste das chamadas "Grandes Imagens", que se refere às imagens associadas aos dois trigramas básicos3 que compõem os hexagramas. Dessa análise dos trigramas básicos o comentário deduz o significado do hexagrama como um todo e infere conclusões aplicáveis à vida humana.
 
Toda a esfera de idéias contida nesse comentário aproxima-se muito do Ta Hsueh, estando assim em ligação muito estreita com Confúcio.

Além das "Grandes Imagens", esse comentário contém as "Pequenas Imagens"; são referências muito breves às palavras do Duque de Chou a respeito das linhas. Entretanto, essas referências não tratam em absoluto de imagens. Foi, decerto, em virtude de algum engano ou talvez por uma casualidade que esse comentário tenha sido concluído no comentário sobre as Imagens. As "Pequenas Imagens" contêm apenas indicações muito breves, geralmente em rima. É possível que sejam frases de caráter mnemônico extraídas de algum outro comentário mais detalhado. São, sem dúvida, muito antigas e de origem confucionistas. Mas prefiro não formular um julgamento definitivo sobre o grau exato de ligação que têm com o próprio Confúcio.
 
3. Os trigramas formados pelas linhas um, dois e três ou quatro, cinco e seis são chamados trigramas básicos. Além deles há os chamados trigramas nucleares, formados pelas linhas dois, três e quatro ou pelas linhas três, quatro e cinco. (Nota da tradução brasileira.)



Esses comentários também foram divididos e distribuídos junto aos hexagramas correspondentes.


 
A Quinta e Sexta Asas formam um tratado no qual há muitos pontos obscuros.
Essas Asas são chamadas Hsi Tz'u ou Ta Chuan e dividem-se também em duas partes. O título Ta Chuan é mencionado por Ssu-ma Ch'ien4 e significa "O Grande Comentário", "O Grande Tratado". Sobre o título Hsi Tz'u, "Julgamentos Anexos", Chu Hsi afirma: "Os julgamentos anexos foram compostos pelo Rei Wên e pelo Duque de Chou, por eles anexados aos hexagramas e às linhas formando, atualmente, o texto do livro. O 'Comentário aos Julgamentos Anexos' consiste das explicações de Confúcio sobre os mesmos e serve de introdução geral ao texto completo da obra".
Percebe-se logo a falta de clareza dessa definição. Se os "julgamentos anexos" são realmente as observações do Rei Wên e do Duque de Chou sobre os hexagramas e as linhas, se esperaria dos "Comentários sobre os Julgamentos Anexos" uma discussão destes, e não um tratado sobre a obra em geral. Mas já há um comentário a respeito dos julgamentos dos hexagramas, isto é, a respeito do texto do Rei Wên.
Por outro lado, falta um comentário detalhado sobre as observações do Duque de Chou a respeito das diferentes linhas. Tudo o que se tem são frases breves que aparecem sob o título, obviamente incorreto, de "Pequenas Imagens". Existem, é verdade, fragmentos de um tal comentário, ou melhor ainda, de um certo número de tais comentários. Alguns desses fragmentos — referentes aos dois primeiros hexagramas — estão incluídos no Wên Yen (Comentário sobre as Palavras do Texto), sobre o qual ainda se discutirá adiante. Explicações referentes às diferentes linhas aparecem dispersas em diversas passagens do "Comentário sobre os Julgamentos Anexos". É muito provável que duas obras diferentes hoje apareçam sob o título Hsi Tz'u Chuan: primeiro, uma coleção de tratados sobre o Livro das Mutações em geral, constituindo provavelmente o que Ssu-ma Ch'ien chamava "O Grande Comentário" (Ta Chuan); segundo, encontram-se dispersos dentro deste texto e dispostos de acordo com certos pontos de vista os fragmentos de um comentário sobre os julgamentos anexos às linhas. Existem muitos indícios de que esses fragmentos têm origem na mesma fonte que a coleção de comentários, conhecida como Wên Yan (Comentário sobre as Palavras do Texto).
É evidente que os tratados conhecidos como Hsi Tz'u ou Ta Chuan não foram redigidos por Confúcio, pois neles encontram-se diversas passagens atribuídas ao Mestre.5 Esses tratados contêm um significativo acervo de tradições da escola confucionista, procedente de diferentes épocas.



 
A Sétima Asa, ou Wên Yen (Comentário sobre as Palavras do Texto), é uma obra muito importante. Compõe-se dos remanescentes de um comentário, ou melhor, de toda uma série de comentários sobre o Livro das Mutações. Contém um material valiosíssimo procedente da escola confucionista. Infelizmente não vai além do segundo hexagrama, K'un.
 
4. Considerado o maior historiador chinês da antigüidade (145-86 a.C). (Nota da tradução brasileira.)

5. Esse comentário, além disso, situa a origem do Livro das Mutações na "média antigüidade". Isso se refere a uma classificação dos períodos históricos, segundo a qual a época dos "Anais da Primavera e Outono" (722-481 a.C), que se conclui com Confúcio, era considerada como "antigüidade recente". É óbvio que semelhante cronologia não pode ter sido utilizada pelo próprio Confúcio.

Esse tratado contém ao todo quatro comentários diferentes sobre o hexagrama Ch'ien, o Criativo. Na presente tradução (na qual o texto do Wên Yen está distribuído entre os hexagramas Ch'ien e K'un) esses comentários foram denominados a, b, c, d. O comentário "a" desta série pertence ao mesmo estrato que os fragmentos de comentários dispersos no Hsi Tz'u Chuan. Reproduzem o texto e acrescentam a pergunta: "Que significa isso?". Algo semelhante ocorre ao comentário Kung Yang sobre o Ch'un Ch'iu. Os comentários "b" e "c" contêm breves observações sobre as diferentes linhas, segundo o estilo das "Pequenas Imagens". O comentário "d", assim como o "a", trata do julgamento do hexagrama como um todo e das diferentes linhas, porém o faz de modo mais livre. No Wên Yen resta apenas um comentário sobre o hexagrama K'un. Esse texto assemelha-se ao comentário "a", apesar de estar relacionado a um estrato diverso. (O texto é colocado após as explicações do Mestre.6 Esse mesmo estrato está representado também no Hsi Tz'u Chuan.)


A Oitava Asa, Shuo Kua, "Discussão dos Trigramas", contém um material de grande antigüidade, destinado à explicação dos trigramas fundamentais.
Provavelmente inclui vários fragmentos anteriores a Confúcio, comentados por ele ou por sua escola.

A Nona Asa, Hsu Kua, "Seqüência ou Ordem dos Hexagramas", apresenta uma explicação pouco convincente sobre a atual disposição em seqüência dos 64hexagramas. O único interesse dessa explicação está nas curiosas interpretações que às vezes são dadas aos nomes dos hexagramas e que, sem dúvida, baseiam-se em tradições antigas.
Esse comentário que, sem dúvida, nada tem a ver com Confúcio, foi também dividido e distribuído entre os diversos hexagramas, com o título "A Seqüência"7


A Décima e última Asa, Tsa Kua ou "Coletânea de Indicações",8 é formada de definições dos hexagramas em versos de caráter mnemônico, em geral dispostos em pares opostos, diferindo, porém, essencialmente da seqüência do atual Livro das Mutações. Estas definições também foram divididas e distribuídas entre os diferentes hexagramas, sob o título "Coletânea de Indicações".........
As páginas que se seguem apresentam primeiro a tradução dos dois tratados - Shuo Kua, Discussão dos Trigramas, e Hsi Tz'u Chuan, Comentário sobre os Julgamentos Anexos, mais corretamente denominado Ta Chuan, o Grande Comentário. Em seguida, há algumas considerações sobre a estrutura dos hexagramas, procedentes de diversas fontes, e que são importantes para a compreensão da segunda parte.

6. Confúcio. (Nota da tradução brasileira.)
 
7. V. Livro Terceiro. (Idem.)
 
8. "Vermischte Zeichen". O termo "Zeichen" foi usado por Wilhelm no sentido de "signo" para traduzir "Kua", termo chinês que designava tanto os hexagramas quanto os trigramas. Porém, aqui, "Zeichen" não poderia estar sendo usado nesse mesmo sentido, pois a Décima Asa consiste de um breve texto, em verso, que visa a definir cada um dos hexagramas. "Hexagrammes mélangés", como quer a tradução francesa, ou "Signos Entreverados", como sustenta a tradução argentina, ainda que possíveis e mesmo razoavelmente literais, são traduções que não têm qualquer ligação com o propósito e sentido do texto ao qual se referem. Os hexagramas não estão sendo mesclados ou misturados, e sim apenas definidos. Talvez essa opção tenha se baseado no fato de esses textos serem, em geral, dispostos em pares. No entanto, o conteúdo de cada verso não menciona nem alude a qualquer outro hexagrama que não o que está sendo tratado. Não há qualquer relacionamento, comparação ou coisa semelhante, no texto, que justifique considerá-lo como uma forma qualquer de interligação dos hexagramas. No Livro Terceiro a tradução francesa, ao invés de "Hexagrammes mélangés", usa a expressão "La connexion des hexagrammes entre eux", o que, além de não ter qualquer ligação com o texto, ainda oferece uma perigosa oportunidade de confusão com a Nona Asa que, esta sim, trata da interligação existente entre os hexagramas na seqüência em que são apresentados nas edições clássicas do I Ching. Quanto ao hábito de se dispor esses textos em pares, nem se conhece sua origem (pode ser até mesmo uma disposição tardia ou espúria), nem lhe pode ser atribuído um significado maior que o do próprio conteúdo do texto. Se, portanto, o texto em cada verso se restringe a uma definição muito sucinta do hexagrama em pauta e se deve haver uma ligação entre o título e o conteúdo do texto, então é necessário buscar um outro significado para a expressão "Vermischte Zeichen", que não aquele que é mais literal e menos significativo. A tradução inglesa pode servir de indicação para uma solução ao usar a expressão "Miscellaneous Notes"; "vermischte" também significa "o que se encontra numa miscelânea", e "Zeichen", além de "signo", significa também "indicação", "sinal". Ora, em sua extrema brevidade, o texto não é senão uma indicação do sentido do hexagrama. Como são vários versos, representariam uma coletânea. O título se refere a todo o conjunto dos versos que Wilhelm dividiu e fez acompanhar dos respectivos hexagramas. Por tudo isso, optamos por "Coletânea de Indicações". (Nota da tradução brasileira.)



SHUO KUA
(Discussão dos Trigamas – Parte VIII - Capítulo II)

Céu (Chien) e Terra (Kun) determinam a direção.
Montanha (Ken) e Lago (Tui) unem suas forças.
Trovão (Chen) e Vento (Sun) estimulam-se um ao outro.
Água (Kan) e Fogo (Li) não se combatem.
Assim, os oito trigramas se interligam.
O registro do que ocorre e segue rumo ao passado depende do movimento progressivo.
O conhecimento do que acontecerá depende do movimento retroativo.
Por isso há, no Livro das Mutações, algarismos em ordem decrescente”.
 
Aqui, uma expressão provavelmente muito antiga, os oito trigramas primordiais são enunciados numa sequência de pares que, de acordo com a tradição, remonta a Fu Hsi. Isso significa que essa ordenação existia já na época da compilação do Livro das Mutações, durante a dinastia Chou.
 
Esse arranjo é denominado “Sequência do Céu Anterior” ou “Sequência Primordial” (literalmente, “sequência que antecede ao mundo” – nota da tradução brasileira), “Ordenação Primordial”. Os diferentes trigramas são relacionados aos pontos cardeais da seguinte forma (deve-se notar que os chineses situam o sul ao alto).

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Sequência do Céu Anterior ou
Sequência Primordial


SHUO KUA
(Discussão dos Trigramas – Parte VIII - Capítulo III)

 
Sequência do Céu Posterior ou
Ordem Interna do Mundo

O Capítulo III do Livro das Mutações nos traz as correspondências simbólicas. Trata separadamente de cada um dos oito trigramas e apresenta símbolos aos quais estão associados. Este Capítulo é importante, uma vez que, em diversas ocasiões, as palavras do texto das diferentes linhas de cada hexagrama serão explicadas com base nessas associações simbólicas. O conhecimento dessas associações é importante como um instrumento para a compreensão da estrutura do Livro das Mutações.

 
OS OITO TRIGRAMAS (Capítulo III)
TRIGRAMA (IMAGEM)
ATRIBUTOS
ANIMAIS
SIMBÓLICOS
PARTES DO CORPO
OPOSTO
CH'IEN
(O Criativo)
O Céu
 
O Criativo é forte
Cavalo
Cabeça
Kun
K’UN
(O Receptivo)
A Terra
 
O Receptivo é maleável
Vaca
Ventre
Chien
CHÊN
(O Incitar)
Trovão
O Incitar significa movimento
Dragão
Sun
K’AN
(O Abismal)
Água
O Abismal é perigoso
Porco
Ouvido
Li
KEN
(A Quietude)
(Não diz a cor)
Montanha
A Quietude significa imobilidade
Cão
Mão
Tui
SUN
(A Suavidade)
Vento 

A Suavidade é penetrante
Galo
Coxas
Chen
LI
(O Aderir)

Fogo

O Aderir significa dependência
Faisão
Olho
Kan
TUI
(A Alegria)

Lago

A Alegria significa contentamento
Ovelha
Boca
Ken




SHUO KUA
(Discussão dos Trigramas – Parte VIII - Capítulo III)


11 - Simbolismo Adicional.
 

O Criativo é o céu, é redondo, o príncipe, o pai, jade, metal, frio, gelo, o vermelho profundo, o bom cavalo, um cavalo velho, um cavalo magro, um cavalo selvagem, os frutos das árvores.


A maioria desses símbolos explicam-se por si mesmos. O jade é o símbolo da pureza imaculada e da firmeza; do mesmo modo o metal. O frio e o gelo resultam da posição do trigrama, situado a noroeste. O vermelho profundo é a cor intensificada do luminoso (no texto ele próprio13, a cor do Criativo é o azul-noite, que corresponde à cor do céu). Os vários cavalos indicam o poder, a duração, a firmeza, a força (o cavalo "selvagem" é um animal mítico com dentes de serra, capaz de despedaçar até mesmo um tigre). O fruto é o símbolo da duração da mudança.
 

Os comentários posteriores acrescentam: "é reto, é o dragão, é roupa de cima, a palavra".
 

13. Wilhelm distingue aqui o texto do I Ching propriamente dito, isto é, o Julgamento atribuído ao Rei Wên e o Julgamento das linhas, atribuído ao Duque de Chou.das Dez Asas, comentários que distam pelo menos 600 anos dos textos de Wên e Chou. Essa distinção é também sustentada por Legge e em especial enfatizada por lulian K. Shchutskii (Researches on the I Ching. Princeton University Press, 1979), que mostra como grande parte dos especialistas chineses, atribuindo uma autoridade excessiva a esses comentários, vem interpretando o texto via comentários, esquecendo as significativas diferenças entre eles existentes. Segundo Shchutskii, com isso muito se adicionou ao texto de conteúdos originalmente inexistentes no mesmo. (Nota da tradução brasileira.)
 

O Receptivo é a terra, a mãe, um tecido, o caldeirão, a frugalidade, a superfície plana, é a vaca com um bezerro, uma grande carroça, a forma, a multiplicidade, o tronco. Entre os tipos de solo, é a terra negra.

Os primeiros símbolos não exigem maiores explicações. O tecido é algo que se estende; a vida cobre a terra como se fora uma vestimenta. No caldeirão cozinham-se os alimentos até que estejam prontos; a terra é, portanto, o grande crisol da vida. A frugalidade é uma qualidade fundamental da natureza. A superfície plana indica a imparcialidade da terra, que não tem preferências nem repulsas. A vaca com o bezerro é o símbolo da fertilidade; a grande carroça simboliza a terra carregando todas as coisas. Forma e ornamento são o oposto do conteúdo, que é expressão do Criativo. A multiplicidade é o oposto da unidade de Ch'ien. É do tronco que brotam os galhos, assim como toda a vida brota da terra. O negro é a escuridão em seu grau mais intenso14.


14. No texto do I Ching, a cor atribuída ao Receptivo é o amarelo e seu animal é a égua.


O Incitar é o trovão, o dragão, o amarelo escuro, é estender, uma grande estrada, é o filho mais velho, é decisão e veemência, o bambu verde, o junco e a cana. Entre os cavalos significa os que relincham bem, os que têm patas traseiras brancas, os que galopam, os que têm uma estrela na testa.

Entre as plantas úteis significa as leguminosas. Finalmente é o forte, o que cresce em abundância.

O amarelo escuro representa uma fusão da escuridão do céu com a terra amarela. O estender — talvez se deva ler "o florescer" — refere-se ao exuberante crescimento que ocorre na primavera e cobre a terra de plantas. A grande estrada indica o caminho que conduz todas as coisas à vida, na primavera. O bambu, o junco e a cana são plantas de crescimento particularmente rápido. O relinchar dos cavalos indica seu parentesco com o trovão. As patas traseiras brancas, vistas à distância, parecem brilhar quando o animal corre. O galope é a marcha mais rápida.

As leguminosas, ao germinarem, trazem consigo a vagem.
 

A Suavidade é a madeira, o vento, a filha mais velha, o fio condutor, o trabalho; é o branco, o longo, as alturas, é o avanço e o recuo, o indeciso, o odor.

Entre os homens refere-se aos grisalhos, os de testa larga, os que têm muito branco nos olhos, os que estão próximo aos lucros, de modo que obtêm três vezes mais no mercado. Finalmente, é o signo da veemência.

Os primeiros significados não exigem maiores explicações. O fio condutor pertence a esse trigrama na medida em que se refere à difusão de ordens que se espalham como o vento. O branco é a cor do principio Yin. O Yin encontra-se aqui ao começo, na posição inferior. A madeira cresce alongando-se, o vento sobe a grandes alturas. O progresso e o retrocesso se referem à natureza mutável do vento; assim, a indecisão e o odor que o vento propaga fazem parte desse mesmo contexto. Nos homens grisalhos, com cabelos ralos, o branco predomina. Aqueles que têm muito branco nos olhos são arrogantes e veementes. Também o são aqueles que têm ambição de lucros com o que, ao final, o trigrama se converte em seu oposto e representa a violência, isto é, Chên.


O Abismal é a água, fossos, a emboscada, é o que se dobra e desdobra, o arco e a roda.

Entre os homens refere-se aos melancólicos, aos que sofrem do coração, aos que padecem de dor de ouvido.

É o signo do sangue, é vermelho.

Entre os cavalos representa os que têm um belo quarto traseiro, os que têm uma coragem selvagem, aqueles cuja cabeça pende, os que têm cascos finos, os que tropeçam.

Entre as carroças representa as que têm muitos defeitos.

É a penetração, é a lua.

Significa os ladrões.

Entre as diversas espécies de madeira, significa as firmes e com muitos sulcos.15

Os primeiros atributos, mais uma vez, explicam-se por si mesmos. O dobrar e o desdobrar são implícitos à trajetória tortuosa da água; isso conduz à idéia do curvo, do arco e da roda. A melancolia é expressa pela linha forte encerrada entre duas linhas fracas; por isso também a doença do coração. O trigrama significa o esforço assim como o ouvido. As dores de ouvido foram deduzidas dessa dificuldade de escutar.

O sangue é o líquido do corpo, por isso a cor de K'an é o vermelho, se bem que de um tom mais claro que o vermelho de Ch'ien, o Criativo. Devido à sua propriedade penetrante, quando referindo-se a uma carroça, representa um veículo com rachaduras que, no entanto, ainda é usado para carga. A penetração é sugerida pela linha central penetrante, encravada entre duas linhas fracas. Como seu elemento é a água, representa a lua que, por isso, aparece como masculina. Aqueles que penetram secretamente num lugar e se retiram de maneira furtiva são os ladrões. Os sulcos da madeira também estão ligados ao atributo da penetração.
  

15. O termo "Mark" significa sulco, mas também "medula", sendo este segundo termo usado pelas traduções inglesa e argentina. Apesar do caráter de interioridade sugerido por "medula", "sulco" parece-nos mais de acordo com o atributo de penetração, inclusive considerando-se o comentário sobre "rachaduras" em relação a outro símbolo desse trigrama, a carroça. (Nota da tradução brasileira.)
 

O Aderir é o fogo, o sol, o raio, a filha do meio. Significa armaduras e elmos, lanças e armas. Entre os homens, refere-se aos que têm o ventre dilatado.

É o signo do seco. Significa o jaboti, o caranguejo, o caracol, o molusco, a tartaruga.

Entre as árvores refere-se às que secam na parte superior do tronco.

Quando os símbolos não são compreensíveis em si mesmos, são sugeridos pelo significado do fogo, do calor e da seca como também pelo próprio caráter do trigrama: sólido e firme por fora, oco e maleável por dentro. Esse aspecto explica a ligação com as armas, com o ventre dilatado, os animais que têm casco e as árvores ocas que começam a secar acima.


A Quietude é a montanha, uma via de contorno, as pequenas pedras, as portas e aberturas, frutas e sementes; significa os eunucos e os vigias, os dedos, o cão, o rato e as diversas espécies de pássaros de bico preto.

Entre as árvores significa as que são firmes e nodosas.

A via de contorno é sugerida pelos caminhos das montanhas, do mesmo modo que as pedras. O portal é indicado pela forma do trigrama ken. As frutas e as sementes são a ligação entre o fim e o começo das plantas. Os eunucos são os guardiões das portas, os guardas vigiam as estradas; ambos protegem e vigiam. Os dedos servem para segurar. O cão toma conta, o rato rói, os pássaros de bico preto bicam as coisas com facilidade. Os troncos nodosos são os mais resistentes.


A Alegria é o lago, a filha mais moça, uma feiticeira, é a boca e a língua. Significa estragar e partir-se, cair e entreabrir-se.

Entre os tipos de solo refere-se às terras duras e com alto teor de sal.

É a concubina, ê a ovelha.

A feiticeira é uma mulher que fala. O trigrama da Alegria é aberto acima, por isso a boca e a língua. Está situado a oeste e assim associado à idéia do outono, destruição; por isso estragar e romper-se, a queda e o entreabrir dos frutos maduros.

Nos locais em que lagos secaram a terra é dura e com alto teor de sal. A concubina se deduz da idéia da filha mais moça. A ovelha, fraca exteriormente e teimosa em seu interior, é evocada pela forma do trigrama, como já foi indicado acima. A ovelha e a cabra são consideradas na China como animais praticamente idênticos e têm o mesmo nome.




Um comentário:

  1. Realmente fascinante estou entrando agora no mundo do tao e foi muito esclarecedor. Muito obrigado pelo artigo realmente admirável.

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